Por Raimundo Simão de Melo
Com a reforma trabalhista de 2017, foi aprovada a terceirização irrestrita, o que nos faz indagar sobre quais serão os seus reflexos para a saúde e a segurança dos trabalhadores terceirizados, uma vez que, com a liberação legal da contratação de terceiros, certamente mais empresas passarão a fazer uso da prestação de serviços de terceirizados.
Com isso haverá melhora ou piora sobre as estatísticas nacionais em matéria de acidentes e doenças ocupacionais?
Por que tais indagações? Porque a partir de uma pesquisa feita em conjunto pela Central Única dos Trabalhadores (CUT) e pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), intitulada Terceirização e Desenvolvimento – Uma conta que não fecha, de cada 10 acidentes de trabalho ocorridos no Brasil, oito dizem respeito a empregados terceirizados.
Outros dados nos chamaram a atenção: no mesmo estudo acima foi dito que, na Petrobras, o número de terceirizados cresceu exponencialmente nos últimos anos. Em 2013, os trabalhadores próprios eram pouco mais de 62 mil, sendo que os terceirizados passaram a representar 320 mil, o que significa uma relação de cinco terceirizados para cada trabalhador próprio. O reflexo infortunístico da expansão da terceirizante, segundo o estudo acima, é estarrecedor: de 1995 a 2013, foram mais de 300 vidas ceifadas por acidentes de trabalho na Petrobras, sendo que mais de 80% das vítimas (249) eram trabalhadores terceirizados, contra 61 trabalhadores efetivos.
Já tivemos a oportunidade de enfatizar que, “como é sabido e consabido, a terceirização, salvo exceções, precariza condições de trabalho pelo objetivo do barateamento da mão de obra e interinidade de muitas das empresas prestadoras de serviços. Com isso, esse incremento nos processos produtivos tem sido causa de muitos acidentes de trabalho e de morte de trabalhadores” (MELO, Raimundo Simão de. Aspectos da tutela legal do meio ambiente do trabalho e da saúde do trabalhador no Brasil. In: MELO, Raimundo Simão de; ROCHA, Cláudio Jannotti da. (coords). Constitucionalismo, trabalho, seguridade social e as reformas trabalhista e previdenciária. São Paulo: LTr, 2017, pp. 422-3).
Com o aumento da terceirização, se isso acontecer mesmo, a situação poderá se agravar em termos de acidentes do trabalho.
Todavia, existe um aspecto importante trazido com a reforma trabalhista em relação à questão da segurança e saúde dos trabalhadores terceirizados, porque, como sabido, a maioria das empresas prestadoras de serviços não se preocupa com a saúde e a segurança dos seus empregados, razão da ocorrência dos muitos acidentes do trabalho.
O aspecto importante é: a Lei 6.019/74, que sofreu recentes alterações pela Lei 13.429/2017 no tocante ao trabalho temporário e à prestação de serviços a terceiros — terceirização —, estabeleceu no artigo 5º-A, parágrafo 3º, que:
“É responsabilidade da contratante garantir as condições de segurança, higiene e salubridade dos trabalhadores, quando o trabalho for realizado em suas dependências ou local previamente convencionado em contrato” (grifados).
No artigo 9°, parágrafo 1º, que regula o trabalho temporário, constou que:
“É responsabilidade da empresa contratante garantir as condições de segurança, higiene e salubridade dos trabalhadores, quando o trabalho for realizado em suas dependências ou em local por ela designado” (grifados).
Como se vê, nas duas situações acima restou assegurada a responsabilidade direta da empresa tomadora de serviços pelas condições de segurança, higiene e salubridade dos trabalhadores terceirizados. Nem de responsabilidade solidária se trata. A responsabilidade da empresa tomadora de serviços é direta em relação aos terceirizados.
Com isso, espera-se que as empresas que pretendam terceirizar, ou seja, repassarem suas atividades para outras empresas prestadoras de serviços, devam ter mais cuidado na escolha da contratada (responsabilidade in eligendo) e na fiscalização da execução dos contratos (responsabilidade in vigilando).
Caso contrário, terceirizar daqui pra frente pode não compensar tanto, principalmente para quem quer não contratar um serviço especializado, mas, simplesmente, reduzir custos das suas atividades.
Cabe alertar ainda para outras responsabilidades que advirão para o tomador de serviços, caso ocorram acidentes do trabalho: a responsabilidade civil pelas reparações devidas às vítimas e seus sucessores, considerando que essa assunção é quase certa porque as empresas prestadoras de serviços, na maioria dos casos, não têm capacidade financeira para arcar sequer com as verbas trabalhistas devidos aos seus empregados, como se vê diariamente nos processos trabalhistas, quanto mais para arcar com altas reparações de natureza civil decorrentes de acidentes laborais. A tomadora de serviços terá que arcar com essas reparações, porque quem é responsável pelas normas de segurança e saúde dos trabalhadores, caso algo falhe, certamente vai responder pelas suas consequências, formando, conforme o caso, grande passivo trabalhista.
Se a terceirização já foi considerada uma solução para diminuir custos, daqui pra frente, pelo menos em termos de saúde e segurança dos trabalhadores, poderá trazer uma boa dor de cabeça para quem pensava e agia com esse desiderato, ou seja, agora é preciso ter muita cautela na hora de contratar a prestação de algum serviço. Aliás, cautela é como caldo de galinha, se não faz bem, mal também não faz a ninguém!
Raimundo Simão de Melo é consultor jurídico e advogado. Procurador Regional do Trabalho aposentado. Doutor e mestre em Direito das Relações Sociais pela PUC-SP, professor titular do Centro Universitário UDF e membro da Academia Nacional de Direito do Trabalho. Autor de livros jurídicos, entre outros, Direito ambiental do trabalho e a saúde do trabalhador.
Fonte: Revista Consultor Jurídico.
Publicação autorizada pelo autor.